COMUNICADO SOBRE A RETOMADA CONSCIENTE DAS ATIVIDADES DA FUNCATE EM CUMPRIMENTO AOS DECRETOS ESTADUAIS Nº 64.881, DE 22 DE MARÇO DE 2020, Nº 64.994, DE 28 DE MAIO DE 2020, E Nº 65.563, DE 11 DE MARÇO DE 2021.


Nos termos do art. 2º, inciso IV, do Decreto Estadual nº 65.563, de 11 de março de 2021 (DOSP de 12/03/2021), alterado pelo Decreto Estadual nº 65.596, de 26 de março de 2021 (DOSP de 27/03/2021), bem como em atenção às recomendações da Organização Mundial de Saúde – OMS, informamos que a FUNCATE manterá as suas atividades exclusivamente em sistema de home office até o dia 11 de abril de 2021. Durante esse período a Fundação analisará os indicadores da Secretaria de Saúde e as regras gerais e específicas que serão editadas, a fim de decidir sobre a forma de atuação do próximo período.

Contamos com a compreensão de todos e continuamos a acompanhar a evolução da Pandemia COVID-19, bem como as medidas dos três níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal).

Colocamo-nos à disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários. Atenciosamente,


Dr. Josiel Urbaninho de Arruda
Presidente do Conselho Diretor



Funcate - Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais

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Nelson de Jesus Parada: fascínio por desafios e talento para resolver problemas

Autor: Ana Paula Soares
Nelson de Jesus Parada: fascínio por desafios e talento para resolver problemas

Quando lhe perguntam sobre os ensinamentos recebidos no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde se formou em Engenharia Eletrônica "Cum Laude" em 1963, Nelson de Jesus Parada costuma responder que a grande contribuição da escola foi ter lhe ensinado a resolver problemas. Essa capacidade, aliada à personalidade forte e ao espírito realizador, têm norteado a brilhante carreira e a trajetória de vida do ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e instituidor da Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais (FUNCATE). Um dos idealizadores da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) e responsável pelo projeto e construção de toda a infraestrutura do INPE para o cumprimento de sua parte no Programa Espacial Brasileiro, Parada conta, nesta entrevista, como buscou e encontrou soluções para os diversos desafios que se impuseram para a concretização das iniciativas inovadoras que coordenou.

Em que contexto o Sr. assumiu a Direção do INPE, em 1976?

Fui convidado para o cargo de Diretor do INPE pelo José Dion de Melo Teles, então presidente do CNPq, ao qual o Instituto era vinculado na época. Ao aceitar, assumi o compromisso de resolver três grandes problemas que estavam prejudicando as atividades do Instituto, os quais o Presidente do CNPq não conseguia resolver com o então Diretor do INPE, Fernando de Mendonça. O primeiro era a questão do recolhimento dos encargos previdenciários dos funcionários. Há dez anos não se recolhia o INSS e havia o risco de que parte do orçamento do INPE fosse bloqueado para saldar a dívida. O Dion estava fazendo um grande esforço para evitar, pois isso inviabilizaria a sobrevivência do INPE. O segundo problema era, com certeza, mais complicado. Tratava-se de dar um encaminhamento ao Projeto SACI. O Fernando de Mendonça tinha implantado a área de Ciência Espacial do Instituto e estava implantando a parte de Aplicações Espaciais, que eram o Sensoriamento Remoto e a Meteorologia. Existia um grupo de engenheiros que desenvolviam equipamentos, tanto para sensoriamento remoto, como para meteorologia, geofísica e telecomunicações. Só que o Fernando achou que, além de sensoriamento remoto e meteorologia, uma das grandes aplicações que se teria seria na área de utilização de satélites de telecomunicações. A NASA tinha um programa nessa área e estava lançando um satélite experimental de telecomunicações. O Fernando via, nas telecomunicações, a grande possibilidade de transmitir programas educacionais por meio de satélite. Seria colocada em uma escola, em qualquer lugar do Brasil, uma estação receptora das aulas transmitidas pelo satélite. As aulas seriam enviadas para o satélite de um local fixo definido. O professor, na realidade, seria treinado para, através de uma televisão ligada à estação receptora, ensinar os alunos sobre o conteúdo das aulas transmitidas pelo satélite, sendo que ele, professor, receberia, antecipadamente, o conteúdo das aulas. Era um negócio extraordinário, o que o Fernando imaginou. Para isso, o que ele fez? Estabeleceu um programa denominado Projeto SACI e obteve da NASA a autorização para utilizar o satélite experimental dela, quando ele passasse sobre o Brasil. Era necessário, entretanto, se ter um local de onde fosse possível transmitir os programas para grande parte do nordeste, região escolhida para teste do Projeto.  Então, foi implantada uma estação de televisão em Natal, para que o teste fosse feito. Se tudo desse certo, o projeto iria continuar e não iria se jogar fora toda a estrutura que estava sendo montada. Em São José dos Campos foi implantada a infraestrutura necessária para a produção das aulas. Havia um estúdio completo de televisão, com todo tipo de profissional necessário para produzir os cursos. Uma equipe razoavelmente grande. Esse era o primeiro ponto do problema. O segundo ponto é que havia necessidade de um bom conhecimento de tecnologia educacional, para se montar os programas educacionais. Então, foi criado um Curso de Mestrado em Tecnologia Educacional dentro do INPE. O que aconteceu? Na realidade, o satélite passou sobre o Brasil e não foi possível utilizá-lo. Não deu para fazer o teste que se queria fazer. Então, restou um grupo grande de profissionais contratados pelo INPE desenvolvendo os programas, um Curso de Mestrado em Tecnologia Educacional, a infraestrutura física de produção e uma estação de televisão em Natal, tudo sendo pago pelo INPE. Isso nada tinha a ver com a missão do INPE. O objetivo do projeto era interessante, mas tinha que acabar. O terceiro problema era o seguinte. Quando o Fernando de Mendonça conseguiu a área física em Cachoeira Paulista, sua ideia era instalar lá um grande centro nacional de dados e informações. Ou seja, seria um repositório de tudo o que existiria de dados de governo para que se pudesse utilizar e desenvolver programas governamentais. Mas isso exigia um conhecimento profundo – praticamente inexistente à época no país -, que era o da engenharia de sistemas. Vários pesquisadores do INPE foram enviados para o exterior, para obter o doutorado, e foi implantado um Curso de Mestrado, que depois seria seguido por um de Doutorado, em Engenharia de Sistemas no Instituto, o que, em princípio, também não tinha nada a ver com os objetivos do INPE. Aos poucos os doutores foram voltando, uns saíram e outros permaneceram no INPE cuidando do Curso de Mestrado e participando de atividades de gestão dos programas. Outro problema que encontrei no Instituto era que todos os programas de pós-graduação que lá existiam não estavam credenciados pela CAPES. Os alunos estavam obtendo os títulos, mas eles não tinham validade. Eram os cursos de Ciência Espacial, Meteorologia, Sensoriamento Remoto, Tecnologia Educacional e Engenharia de Sistemas. Tínhamos que estruturar os Cursos de acordo com a legislação e obter a aprovação da CAPES. Foi o que fizemos. Esses eram os principais problemas do INPE na época. Outra questão, que não era um problema, mas criava um desconforto muito grande entre os pesquisadores, é que eles, quando iam para o exterior para participar de cursos de pós-graduação, eram obrigados a assinar promissórias em branco, que seriam cobradas pelos valores gastos, caso não permanecessem no Instituto, quando da sua volta. Acabei com esse procedimento e as promissórias existentes foram destruídas.

Quais foram as suas primeiras ações?

Após obter o meu doutorado no MIT e permanecer como Professor Colaborador Titular na USP, onde obtive a Livre Docência e me tornei Presidente da Comissão de Pós-graduação do Instituto de Física, fui contratado pela Unicamp, como Professor Titular em 1968 – a Unicamp começou em 1965 - para implantar a área tecnológica, iniciando pela Física do Estado Sólido e depois pelas Engenharias. Quando apresentei, ao Reitor Zeferino Vaz, a proposta de trazer um grupo grande de pesquisadores e professores que estavam em empresas e universidades do exterior (principalmente dos Estados Unidos e que estavam comprometidos em vir, caso fossem oferecidas condições adequadas salariais e de trabalho), ele me disse uma frase que ficou e continua gravada em mim até hoje: Filho (ele assim chamava as pessoas mais jovens) existem três componentes necessários para se ter uma excelente universidade ou centro de pesquisas: cérebros, cérebros e cérebros e você está propondo isso. Compro o seu projeto. Entendi o que ele quis dizer e sempre norteei minhas ações com base nessa premissa. Ao implantar os programas científicos e tecnológicos na Unicamp, ganhei conhecimento no assunto, assim como no financiamento das referidas atividades. A pedido do Reitor, passei a ser, também, o primeiro Coordenador de Pós-graduação da Unicamp, implantando a legislação, os cursos e obtendo a sua aprovação pela CAPES. Então, eu tinha vivência, tanto na implantação de projetos científicos e tecnológicos, como na implantação da pós-graduação, que eram itens necessários para resolver os problemas do INPE. Era preciso acabar com os programas e projetos que existiam e que não diziam respeito ao objetivo principal do Instituto. Quando o Dion me convidou, eu consegui autorização para ir emprestado da Unicamp para o INPE. Fui para ficar um ano e fiquei quase dez. Ao assumir, a primeira coisa que fiz foi acabar com a parte do Projeto SACI. Mas antes tive que resolver a questão do INSS. Discutimos, discutimos e conseguimos dividir, em 60 meses, a dívida que existia com certa redução do valor devido e fomos pagando. Terminar com o Projeto SACI foi muito difícil, porque envolvia pessoas. Primeiro, eu não podia extinguir a parte relativa ao Curso de Tecnologia Educacional, porque existiam alunos que o estavam cursando. Esperei que todos terminassem. Nós discutíamos com cada funcionário que concluía o Curso e chegávamos a um acordo e eu aguardava até que ele encontrasse outro local de trabalho. Mas eu tinha que demitir, não tinha outro jeito. No fim, consegui terminar com toda a infraestrutura existente. A estação de televisão foi transferida para o governo do Estado. Esse problema, com muita calma, foi sendo resolvido. Aí eu procurei direcionar o INPE para a missão dele, que era a realização de pesquisa e desenvolvimento de projetos nas áreas da Ciência, das Aplicações e da Tecnologia Espaciais. A área de Ciência Espacial estava já bem desenvolvida. Existia um grupo grande de excelentes pesquisadores e, então, continuamos com os trabalhos que estavam sendo desenvolvidos, procurando sempre incentivar os pesquisadores a publicarem trabalhos científicos em revistas especializadas. Na parte das Aplicações Espaciais, as áreas de Sensoriamento Remoto e de Meteorologia estavam sendo implantadas. Em Sensoriamento Remoto já havia um grupo de pesquisadores que estava desenvolvendo metodologias de aplicação de imagens de satélites em várias áreas, como vegetação, agricultura, recursos minerais, dentre outras. Aumentamos consideravelmente o número de pesquisadores nessa área. Havia a estação de recepção de imagens do satélite Landsat em Cuiabá e a estação de processamento de imagens em Cachoeira Paulista, que ainda não estava operacional. Um grande trabalho realizado foi torná-la operacional, passando a vender imagens para um grande número de usuários nacionais e estrangeiros, com tal êxito que passamos a ser o 3º país no mundo a utilizar imagens de satélite para fins de sensoriamento remoto. Éramos muito respeitados internacionalmente por isso. Mas veja, uma série de metodologias foram desenvolvidas e estavam sendo utilizadas pelo Instituto, mas era preciso que elas fossem transferidas para outras instituições públicas ou privadas. Com as instituições públicas essa cooperação era facilmente realizada, mas com instituições privadas problemas existiam. Em Meteorologia, a mesma situação ocorria. Existia já um grupo excelente de pesquisadores, e o que fizemos foi ampliar o número deles e dar apoio ao desenvolvimento dos trabalhos que estavam realizando. Incentivamos o grupo de engenharia existente no Instituto a continuar com o desenvolvimento dos projetos de construção de estações receptoras de imagens de satélites meteorológicos, passando o Instituto a receber imagens tanto dos satélites meteorológicos de órbita baixa, como geoestacionários. Como na área de Ciência Espacial, incentivei também os pesquisadores a publicar trabalhos científicos em revistas especializadas. Então, nós tínhamos estações de recepção de imagens meteorológicas desenvolvidas no INPE. Bem, aí faltava o quê: o INPE tinha as áreas de Ciência Espacial e das Aplicações Espaciais - Sensoriamento Remoto e Meteorologia. Faltava a área da Tecnologia Espacial. O grupo de engenharia que existia no Instituto tinha desenvolvido as estações meteorológicas, mas tinha desenvolvido também, já na área de Tecnologia Espacial, estações de recepção de satélites de telecomunicações. Nós tínhamos metodologias de sensoriamento remoto, metodologias de meteorologia, estações de recepção de satélites meteorológicos e de satélites de telecomunicações. Aí começamos a desenvolver a área de Tecnologia Espacial. Eu reestruturei o Instituto, criando departamentos nas áreas fins. Então, passou a existir atividades em Ciência Espacial, em Aplicações Espaciais, com o Sensoriamento Remoto e a Meteorologia, e em Tecnologia Espacial, assim como as atividades de gestão de projetos.

Como surgiu a Missão Espacial Completa Brasileira – MECB?

Você vê como as coisas nascem. Tínhamos pela frente uma reunião na COBAE – Comissão Brasileira de Atividades Espaciais para discutir os programas e projetos das duas principais instituições que realizavam atividades espaciais no País: o INPE e o DCTA/IAE. Isso em 1978. Alguns dias antes da reunião, eu perguntei ao professor Plínio Tissi, que era um dos pesquisadores da área de telecomunicações e que tinha sido meu professor no ITA: Você acha que conseguiríamos fazer um satélite aqui no INPE? Ele levou um susto e disse: Não, como assim? Eu disse: Vamos fazer um projeto e depois vamos buscar as pessoas e todas as tecnologias e metodologias necessárias. Nós já tínhamos um grupo excelente de engenheiros-doutores no Instituto, como o Aydano Carleial, o Cláudio Santana, o Clovis Solano Pereira, o Pawel Rosenfeld, o Eduardo Bergamini, apenas para citar alguns. Aí, com a ajuda deles, foi feito um projeto especificando as características do satélite: órbita, peso, altitude etc. Seria um Satélite de Coleta de Dados, cuja missão é a do satélite do INPE que, ainda hoje, circunda a Terra. Na reunião da COBAE, eu me dirigi ao presidente do EMFA (Estado Maior das Forças Armadas), que era o presidente da COBAE e disse: General, o INPE teria o apoio da COBAE para desenvolver um satélite brasileiro? Nós temos um pré-projeto. Ele me perguntou se era viável e eu disse que sim. Ele me pediu uma apresentação e fiquei de fazê-la no dia seguinte da reunião. O Brigadeiro Hugo Piva, que era o Diretor do IAE/DCTA, me chamou e propôs, então, a realização de uma missão. O IAE desenvolveria o lançador e o INPE desenvolveria o satélite. Aí nasceu a MECB – Missão Espacial Completa Brasileira. Não que tenha sido de uma forma leviana, ou amadora. É que existia capacidade institucional para isso. O IAE preparou rapidamente o pré-projeto do lançador. Fizemos a apresentação no dia seguinte e foi nessa reunião que se estabeleceu que o IAE faria a parte do lançador e a base de lançamento e o INPE, o satélite e a estação de rastreio e controle. O pré-projeto foi aprovado e nós tínhamos que realizar o que tinha sido aprovado. Vieram os recursos. Por sorte, na época, o Brasil estava comprando o Satélite Brasileiro de Telecomunicações: o BrasilSat. O Rômulo Villar Furtado, que era o secretário geral do Ministério das Comunicações e responsável pelo projeto, me chamou e perguntou se eu queria participar da Comissão que cuidaria da licitação de compra. Eu disse que queria, mas o que me interessava era a transferência de tecnologia. Então ele me pediu para cuidar dessa parte, verificar o que o INPE precisaria incluir nas especificações do contrato. Eu coloquei vários itens de interesse e a SPAR Aerospace, empresa canadense que ganhou a licitação, aceitou. Então, contratamos entre 40 e 50 engenheiros e mandamos para o Canadá para participar de todas as fases de construção, testes etc. do BrasilSat. Realmente houve transferência de tecnologia para o nosso pessoal que lá esteve. Por outro lado, a França sempre quis desenvolver um satélite conosco. O CNES, que é a Comissão Nacional de Estudos Espaciais francesa nos propôs construir, em conjunto, um satélite de sensoriamento remoto e o respectivo lançador, com transferência de tecnologia, na chamada Missão Espacial França-Brasil. Um grupo de engenheiros do INPE e do IAE  foi para a França - eu mesmo fiquei lá três meses, outros ficaram seis meses – discutindo o projeto e, obviamente, ganhando conhecimento sobre as especificações detalhadas de como realizar o projeto . Montamos todo o projeto, só que ele iria custar entre 600 e 700 milhões de dólares para o Brasil, em um período de três anos. Fomos para a reunião da COBAE, mas já pensando em continuar com a MECB, caso a COBAE não aprovasse o projeto. O satélite com a França seria de sensoriamento remoto, que era o grande interesse na época. O Satélite de Coleta de Dados da MECB era mais simples e era o que nós, em princípio, poderíamos fazer. Quando apresentamos o projeto franco-brasileiro à COBAE, o valor assustou os participantes da Comissão, que o consideraram inadequado para a época. Como alternativa, propusemos então, a continuação do projeto brasileiro no qual estávamos trabalhando e cujo custo estimado era muito menor e o prazo de execução maior e a COBAE decidiu aprovar a proposta. Ou seja, a MECB começou lá atrás, mas veio a se efetivar depois desse episódio da missão com a França. A cooperação com a França foi muito proveitosa. Os franceses nos ajudaram também em outras ocasiões. Quando a MECB foi finalmente aprovada, nós fomos ao CNES, na França, e na NASA nos Estados Unidos. Um dos itens importantes da Missão era o Laboratório de Integração e Testes. Tínhamos que fazer o projeto do edifício e não tínhamos competência para isso Tínhamos também que especificar e comprar os equipamentos. Embora o nosso pessoal tivesse visitado laboratórios de integração e testes, tanto no Canadá como na França, ele não tinha conhecimento suficiente para definir os equipamentos e materiais necessários. A NASA não quis nos ajudar, nem o Canadá. Eles queriam, obviamente, que nós fizéssemos os testes nos laboratórios deles e pagasse por isso. O CNES foi o único que nos ajudou, dentro da filosofia de que, no futuro, eles também poderiam utilizar a nossa infraestrutura, para lançamentos na Guiana Francesa. Então, eles nos atenderam e participaram tanto no projeto do prédio e respectivas instalações, quanto na especificação dos equipamentos, de um laboratório um pouco parecido com o que eles tinham em Toulouse. Nós compramos os equipamentos e materiais e licitamos e iniciamos a construção do laboratório. Quando o LIT estava praticamente pronto, com os equipamentos já comprados para serem instalados, eu saí do INPE. Alguns meses depois ele foi inaugurado.

Essas mesmas dificuldades o sr. enfrentou também na implantação do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), não foi?

Sim. Nós decidimos implantar o Centro de Previsão Numérica de Tempo e Clima porque o INPE tinha um grande especialista em previsão de tempo, que era o Antonio Divino Moura, hoje Diretor do INMET, além do Luiz Gylvan de Meira Filho, do Luiz Carlos Molion e de outros pesquisadores trabalhando na área. Para a realização do projeto, o INPE necessitava ter um computador de alto desempenho. E aí, apareceu o grande problema: quem é que vende computador de alto desempenho para o Brasil? Isso no começo dos anos 80. Nenhuma empresa. O Governo dos Estados Unidos bloqueava qualquer venda. Os japoneses também não podiam vender, porque parte dos componentes dos computadores dos japoneses eram americanos. Foi uma discussão bastante demorada e nós tivemos, nesse aspecto, uma grande ajuda da NASA. Com a participação do presidente da NASA conseguimos convencer o Departamento de Estado norte-americano a aprovar a venda. É claro que eu tive que assinar um documento confidencial, que especificava que em hipótese alguma nós iríamos permitir o uso por terceiros, que não iríamos transferir informações para qualquer pessoa ou país, etc., enfim todas as restrições e o compromisso de uso específico para previsão de tempo. Aí conseguimos efetuar a licitação e compra.

Na sua época, já havia a percepção de que seria importante para o Brasil buscar autonomia no desenvolvimento de satélites de recursos terrestres e de tecnologias de sensoriamento remoto, pela nossa dimensão, pela necessidade de se monitorar a Amazônia?

Não se falava, mas já se pensava. O satélite de coleta de dados, não só era mais simples, mas tinha um objetivo, que era receber os dados das plataformas meteorológicas. Por que? Para fazer previsão numérica de tempo, você precisa de dados. Em cada uma das camadas que compõem o modelo de previsão numérica, você tem que ter dados. Você tem a camada da superfície e depois vai subindo. Nós começamos com três camadas e fomos subindo até ter um modelo com sete camadas, sendo que se precisa de informações de todas elas. O número de plataformas e boias que havia no Brasil era muito pequeno. Então, o fato de você implantar um número razoável de plataformas forneceria informações de terra e do mar. Então, a decisão pelo SCD não foi tomada só pela sua simplicidade, mas pelo seu objetivo também, dentro do programa de meteorologia. Em segundo lugar, pensávamos no sensoriamento remoto, que era o objetivo final. Por que? Exatamente pelo fato de você ter um grande território, existe a necessidade de você ter dados sobre ele com certa periodicidade, para acompanhar alterações que nele ocorrem etc., ou seja, para ter um banco de dados de anos, que nós não tínhamos. Não havia dúvidas, o sensoriamento remoto era o objetivo final. Tanto que aí nós demos uma força muito grande ao programa de sensoriamento remoto do Instituto. Certamente a utilização das imagens do satélite Landsat permitiu que isso passasse a ocorrer, pois foi possível desenvolver competências e capacidades, sistemas e metodologias para que, na hora em que tivéssemos o nosso satélite, já contássemos com toda uma infraestrutura de pessoal competente e capacitado.

A cooperação Brasil-China é uma das mais longevas no país. Como ela se iniciou?

A primeira visita à China foi feita por nós, bem antes de 1988, que é considerado, por alguns, o início da cooperação Brasil-China. Existia um grupo formado por usuários de imagens de satélite, coordenado pela NASA. Participavam desse grupo todos os países que recebiam ou utilizavam imagens Landsat. Era um grupo que se reunia duas vezes por ano, sendo que cada uma delas era realizada em um país. Havia um intercâmbio grande de informações, sendo que cada país apresentava o que estava realizando, o que de bom havia sido feito, quais eram os seus planos etc. A NASA coordenava essas reuniões, e sempre apareciam países que queriam participar. Num determinado momento, a China passou a participar desse grupo. Não é que eles não tinham nada, eles já estavam se estruturando. Em uma conversa com o responsável pela delegação chinesa, ele me perguntou se poderia mandar alguém para conhecer a estação de recepção e o laboratório de processamento de imagens Landsat no Brasil. E veio um engenheiro. Começaram, então, conversas com a China na área de sensoriamento remoto. Até que, em um determinado momento, manifestou-se o interesse deles de que nós fôssemos conhecer o que eles tinham, e, certamente, isso nos interessava, porque eles já estavam construindo satélites e lançadores. Então, uma delegação brasileira, chefiada pelo presidente da COBAE e com representantes do INPE e do CTA, além da equipe do Itamaraty foi, em 1984, para a China. Foi a primeira delegação brasileira que foi para aquele país. Foi o primeiro grupo de ocidentais a visitar o programa espacial chinês. Nas conversas que mantivemos lá, houve o interesse em se estabelecer uma cooperação entre os países. Foi produzido um documento de cooperação entre a China e o Brasil, envolvendo a área de sensoriamento remoto. Nós sentamos com os técnicos chineses e fizemos a minuta do documento, que envolvia estudos de desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto e de meteorologia e suas aplicações.. Assim começou a cooperação. A interação começou nas reuniões do grupo Landsat e evoluiu a partir de 1984.

Essas estruturas que foram implantadas para o desenvolvimento do programa espacial, como o LIT, o Centro de Rastreio e Controle de Satélites, se mantêm até hoje na vanguarda da tecnologia e do conhecimento. Como o sr. teve essa visão grande? O LIT é ainda o único de seu gênero no hemisfério sul.

Isso faz parte da minha personalidade. A partir da hora em que nós apresentamos o projeto da Missão Espacial Completa e ele foi aprovado, ele tinha que ser implantado. Existia uma responsabilidade e você não pode simplesmente começar e abandonar, como fazem com várias obras aqui no Brasil. Nós tínhamos que implantar. E implantar como um conjunto. Precisávamos de um bom computador, precisávamos de um bom grupo de engenharia de projeto, de construção, de integração, de testes, de rastreio e de controle de satélite, além de gestão do programa. Tínhamos que ter esse tipo de competência e foi isso que buscamos. Contratamos em uma época uns 200 engenheiros para a MECB. Foi uma coisa fenomenal. Precisávamos de escritórios, laboratórios, equipamentos, dentre outros itens importantes. Precisávamos de estações para receber e enviar dados. Tínhamos que ter essa infraestrutura integrada e tudo foi feito ao mesmo tempo. Se você não tivesse todos os componentes, não era possível ir adiante. E se você quer fazer uma coisa bem feita, tem que buscar o que tem de melhor na época. E foi o que o Instituto sempre buscou. Nós não nos limitamos simplesmente a imitar a tecnologia que existia na época, mas sim conhecê-la para que pudéssemos ampliá-la e desenvolve-la. Não era só imitar. Era entender por que e adquirir o conhecimento. Se é para fazer, é para fazer bem feito. Esses foram anos dos quais ainda lembro com muitas saudades. O que eu fiz procurei fazer da melhor forma possível, com uma equipe de pessoas competentes. Com projetos dessa natureza você consegue atrair excelentes participantes e parceiros.

Em que contexto surgiu a FUNCATE?

Esse era o INPE no início dos anos 80: havia a área de Ciência Espacial e as Aplicações Espaciais com metodologias e equipamentos desenvolvidos. Estávamos entrando na produção de satélites e para isso seriam desenvolvidos vários sistemas, equipamentos e metodologias. E não seria o INPE que iria ficar explorando o que fosse desenvolvido. O Instituto não podia, ele, vender ou comercializar. Era proibido. O Instituto não podia fabricar estações e vende-las. Não podia também ser contratado para fazer o desenvolvimento de uma determinada metodologia ou tecnologia para terceiros. Para quem seriam transferidas as metodologias e os sistemas que já tinham sido ou que iriam ser desenvolvidos? Eu já mencionei que a transferência de tecnologia ou metodologia para uma instituição pública não encontrava grande restrição, mas para a iniciativa privada a dificuldade era enorme. Além disso, qualquer recurso obtido pelo Instituto com alguma transferência ou realização de trabalho não ficava no Instituto: ia diretamente para o Caixa do Tesouro Nacional. Muitas das tecnologias desenvolvidas tinham que ser transferidas para a iniciativa privada. Como fazer isso? Utilizar a Lei 8.666. Teria que se fazer uma licitação por técnica e preço. Mas técnica é um negócio complicado. Você não encontrava empresas que tivessem capacidade técnica já implantada na área espacial. Não existia a competência necessária. A empresa que na licitação oferecesse um preço menor, talvez não fosse a mais qualificada tecnicamente. Tentamos várias vezes, mas não conseguimos estabelecer os critérios técnicos que a empresa precisava ter. Essa era a primeira grande dificuldade apresentada pelo INPE. A segunda dificuldade era o salário dos pesquisadores e técnicos. A situação salarial do INPE estava muito difícil. O pessoal não podia ter outro emprego para complementar a renda. Nós não podíamos perder o que nós tínhamos lá: pessoal dedicado e competente. Assim, um dos fatores que motivaram o surgimento da FUNCATE foi tentar resolver parcialmente o problema salarial. Mas havia também todo o horizonte de atividades pela frente. Eu pensei: o único caminho que nós temos é implantar uma fundação de direito privado, mas sem fins lucrativos. Essa fundação teria que estar estreitamente vinculada ao INPE. Como se faria isso? Primeiro: a maioria do Conselho Curador seria do INPE. Segundo: o presidente da FUNCATE, na época, seria o Diretor Geral do INPE. Dessa forma, ele se responsabilizaria pelos dois lados, e nunca iria prejudicar o INPE. Terceiro, caso a FUNCATE por qualquer motivo fosse extinta, todos os seus bens seriam transferidos para o INPE. Então, não se poderia dizer que ela poderia estar se enriquecendo para depois alguém fazer uso de seu patrimônio. Naquela época, era possível a uma única pessoa instituir uma fundação, e com um valor irrisório. Hoje não existe mais essa possibilidade. Outro ponto importante é que nem os membros do Conselho Curador, nem do Conselho Diretor seriam remunerados. Nós não queríamos tirar proveito de nada. Houve um momento, há algum tempo atrás, em que começaram a criticar a existência da FUNCATE. Fizeram uma devassa e não encontraram absolutamente nada de errado. Aí mudaram a estrutura. Hoje o presidente do Conselho Curador não pode mais ser o Diretor do INPE, porque foi preciso cortar o vínculo. Foram acontecendo várias transformações até a FUNCATE atual.

Como o governo reagiu à ideia da criação de uma fundação de apoio ao INPE?

Existiu uma reação enorme dentro do governo, contrária. Sempre se imagina que você está fazendo alguma coisa para ganhar algo em troca. Ninguém vê as boas intenções. Então, foi uma discussão muito grande no Ministério do Planejamento para conseguirmos a aprovação. Eles não queriam aprovar. Ao aprovar essa iniciativa, estaria sendo permitido que a FUNCATE realizasse trabalhos e comercializasse as tecnologias, metodologias e produtos desenvolvidos pelo INPE. De uma forma menos pública, com menos restrições. Era necessário ter certeza de que tudo seria feito de uma forma moral e eticamente correta. No fim, com a ajuda do próprio CNPq e do José de Anchieta Moura-Fé, diretor do órgão à época, conseguimos aprovar a criação da FUNCATE e implantá-la

E então foi possível a transferência de tecnologias e metodologias.

Sim. Veja que a FUNCATE tem um grupo grande de pesquisadores de desenvolvimento de aplicações de sensoriamento remoto pata terceiros, utilizando metodologias desenvolvidas no Instituto. Isso, à época, não podia ser transferido diretamente do INPE para a iniciativa privada. Existiam muitos poucos trabalhos em outras instituições de aplicações utilizando de imagens de satélites de sensoriamento remoto no país. Hoje já existe. Várias empresas surgiram. Mas a FUNCATE ficou com um pedaço das aplicações de sensoriamento remoto e podendo fazer contratos, com pessoas do INPE trabalhando e recebendo uma remuneração por isso. O CNPq não queria, mas no fim autorizou. Na parte de meteorologia, nós criamos uma empresa que depois foi fechada, porque não deu certo. Era a Engespaço, que começou a fabricar pequenas estações meteorológicas, que tinham sido desenvolvidas, mas aí vimos que seria muito melhor transferir para a iniciativa privada, por causa do custo. Não havia muito sentido. Tecnologias e metodologias de sensoriamento remoto foram paulatinamente sendo transferidas para empresas nacionais, assim como estações de recepção de imagens de satélites meteorológicos e de telecomunicações. A FUNCATE começou a ser a parceira do INPE. Mas a legislação vai mudando, proíbe muitas coisas. Hoje, o INPE é obrigado, para qualquer serviço que ele precise contratar, a abrir licitação pública. Deste modo, existem outras fundações que passam a participar da licitação, oferecem menor preço e a FUNCATE perde. Hoje, se o CPTEC precisa de pessoal tem que fazer uma licitação. Antes, não era assim. Antes, Brasília analisava e autorizava o Instituto a contratar a FUNCATE . Mas hoje a Fundação tem que ganhar a licitação. A FUNCATE passou a se desenvolver e a conseguir contratos externos com empresas. De certa forma, a prover o INPE do que ele precisava e a utilizar as metodologias, processos e produtos que o INPE tinha desenvolvido para realizar aplicações e a transferir para a iniciativa pública e privada. Esse era o escopo da FUNCATE. Esses foram os motivos que nos levaram a criar a Fundação. Em determinadas épocas, foi difícil. Não era fácil encontrar empresas que contratassem a FUNCATE para a realização de trabalhos. Todos os participantes da Fundação lutaram com muita dificuldade, mas o importante é que a Fundação vingou e foi sempre crescendo.

E em relação à gestão de projetos?

O INPE não tinha condições de realizar a gestão de uma série de grandes projetos que passaram a ser por ele executados. Por exemplo, o acompanhamento do desmatamento da Amazônia, não é mais o INPE que faz. Por que? Porque isso é operacional, não é pesquisa ou desenvolvimento. O software livre Spring, desenvolvido no Instituto, por exemplo, passou a ser comercializado e a ser implementado pela FUNCATE, e assim por diante. Ela funciona dessa forma em relação ao INPE. Hoje ela é a fundação de apoio ao INPE. Ela era de fato, mas não de direito. Hoje é de direito, o que significa que esse jogo é válido. Mas não para serviços. Quando o INPE precisa de serviços, tem que abrir licitação pública. Mas para tecnologia, desenvolvimento e pesquisa, não é necessário. Não tem sentido fazer licitação para pesquisa e desenvolvimento. Se o INPE consegue algum projeto e necessita da FUNCATE, a Fundação participa. Dentro dessa filosofia, a FUNCATE foi se tornando fundação de apoio de outros institutos. Então, é uma progressão que partiu de uma necessidade do INPE para, aos poucos, evoluir, sempre em cooperação com o Instituto, e, a partir de determinado momento, passou a existir uma colaboração nos dois sentidos. Tanto a FUNCATE ajuda o INPE, como o INPE ajuda a FUNCATE. É casamento, e não teria como ser de outra forma.

O sr. acredita que, se a FUNCATE não tivesse sido criada lá atrás, o INPE poderia ter se inviabilizado, não só pela evolução da legislação, mas do sistema como um todo?

Acredito que sim. Era a preocupação que tínhamos. Instituímos a FUNCATE para resolver alguns problemas. Mas ela passou a resolver outros. Por exemplo, várias metodologias, tecnologias e técnicas que o Instituto necessitava, foram trazidas pela FUNCATE. Se ela não existisse, não teria formas de trazê-las.

E a própria necessidade do INPE de ter recursos de projetos, recursos extra orçamentários.

Embora muitos não reconheçam, eu acho que se a FUNCATE não tivesse ocorrido naquele momento, ela não ocorreria depois. Naquele momento, por uma necessidade, a criação da FUNCATE foi crucial, porque contamos com apoio. Hoje você não conta. O INPE não poderia ter chegado onde chegou hoje, uma instituição reconhecida internacionalmente. Não tenha dúvida, nas áreas em que ele trabalha, é uma instituição de ponta.

Mas como o sr. enxergou na criação de uma fundação a solução dos problemas do INPE na época? Já havia iniciativas semelhantes?

Nesses moldes, não. A Funcamp, por exemplo, foi instituída pela Unicamp. Mas a Constituição de 1988 estabeleceu que toda fundação instituída ou mantida por um órgão público é pública. Antes da Constituição de 1988, isso não existia. A Funcamp ajudava muito a Unicamp. Contratava pessoal, fazia gestão de projetos etc. Aí veio a restrição. O Tribunal de Contas do Estado proibiu a Funcamp de realizar essas atividades. Tanto que eu instituí, na época, junto com um grupo de professores, outra fundação de direito privado, a qual  fez um convênio com a Unicamp. Até que os problemas com a Funcamp fossem resolvidos, a gestão dos projetos foi repassada para essa nova fundação, que era de direito privado e podia operar e fazer a gestão. Foi a forma que encontramos momentaneamente para poder resolver o problema que existia. Até hoje a Funcamp ainda tem problemas. Mas surgiram outras fundações, diretamente ligadas às várias áreas de atuação da Universidade – Economia, Engenharia, por exemplo. Foi a única forma de solucionar o problema. Com relação ao INPE, já havia essa preocupação em se criar uma entidade de direito privado, e não público. E isso criou muita polêmica.

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